Sentando em seu banquinho de madeira, um homem, mascando fumo e dedilhando uma velha viola, compõe canções enquanto o sol se põe no horizonte. Essa seria uma boa cena para descrever romanticamente um caipira compondo canções sobre sua rotina na roça. Mas a moda de viola, ou a chamada música de raiz, já não canta mais as imagens do verdadeiro cotidiano caipira. Hoje, só traduz dores de amor.
Cenas do cotidiano no interior, descrições simplistas da vida de homens e mulheres rudes, que ainda não foram mudados pela expansão das cidades e do capitalismo. O culto a uma vida sem luxos, em que a subsistência vem da força das mãos e do conhecimento do tempo. Era disso que tratavam as modas de viola, que surgiram a partir dos anos 1920. Falava-se sobre como viver da terra. Hoje, o termo caipira foi generalizado, se tornando uma figura representada por esterótipos. O sotaque caipira e seu “falar errado” não é propositado. É um dialeto criado para uma comunicação própria entre comunidades que conhecem as horas apenas por observar a movimentação do sol, que têm um chá para todo tipo de doença e uma simpatia para qualquer mal.
A moda de viola é uma expressão da música caipira. Uma união de influências dos europeus, índios e africanos. Um estilo de música que conta fatos históricos da vida de quem vive no campo. Causos da região rural faziam parte das letras de Cornélio Pires, compositor que começou a gravar em 1929 o que hoje chamamos de música sertaneja.
A viola, símbolo e instrumento desse ritmo tão peculiar, trazia em suas cordas o poder de traduzir as tristezas, alegrias, dores e belezas da cultura caipira. Uma brava representante de uma parte da nossa brasilidade. A companheira do peito dos compositores que sabiam cantar sobre esse universo tão distinto.
As letras quase sempre evocavam o bucolismo e o romantismo das paisagens, da cultura caipira, do homem interiorano, fazendo assim uma oposição ao homem que prosperava na cidade grande. O gênero que ainda trata desses mesmos aspectos hoje é conhecido como música de raiz, bem diferente da proposta utilizada pelos cantores que se intitulam sertanejos, com suas letras sobre dores de amor e tão somente isso. Exemplos de verdadeiros sertanejos, que cantavam uma temática muito ligada à realidade cotidiana são as duplas Mandi e Sorocabinha e Laureano e Soares.
A música de raiz pode ser historicamente dividida em três fases: de 1929 a 1944, como música caipira ou de raiz, na qual os cantores falavam do universo sertanejo de uma forma épica e muitas vezes satírica, mas quase nunca de uma forma amorosa. Destacam-se nesse período: Tonico e Tinoco e Pena Branca e Xavantinho.
Do pós-guerra até aos anos 60 há uma fase de transição, quando novos instrumentos passaram a fazer companhia à viola, como a harpa e o acordeão. Aqui a temática começou a ganhar um tom mais amoroso, mantendo, porém, seu caráter autobiográfico. Tião Carreiro, Cascatinha e Inhanha e as Irmãs Galvão foram representantes dessa fase.
Do final dos anos 60 até hoje ficamos com a música sertaneja romântica, que até há alguns anos atrás era representada por duplas como Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo e Luciano. Hoje, existe um número grande de duplas e cantores a solo que se intitulam caipiras, mas que há muito fugiram da original proposta da moda de viola. Como bem disse o jornalista e estudioso da cultura popular Assis Ângelo, “muita coisa de mau gosto foi produzida, gerando também uma vertente brega ou expressões conhecidas como dor de cotovelo, normalmente associadas ao que veio ser chamada música sertaneja. Surpreendentemente, esta nova vertente fez muito sucesso, às vezes a ponto de ofuscar a música caipira de raiz de conteúdo e sensibilidade admiráveis”.
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