16 de Março de 1991, 22 horas, Coliseu do Porto. A sala estava cheia. Eu tinha comprado um lugar na plateia, mesmo junto ao palco - foi o bilhete mais caro que alguma vez comprei mas tinha que o ver de perto. Miles Davis nessa altura já quase não conseguia falar e não disse uma palavra durante o concerto. Apresentava os seus músicos através de cartazes com os seus nomes. Lembro-me de Darryl Jones no baixo e de Kenny Garret no saxofone. Ocasionalmente Miles dedilhava um sintetizador mas tocava trompete como sempre tocou: com um timbre liso, incomparável! Quando começou a tocar os mais velhos avisaram-no: "toca liso; quando fores velho o vibrato virá por si".
Ali, três ou quatro metros à minha frente estava o homem que fez Birth of the Cool, Sketches of Spain ou Kind of Blue; o homem que tocou com Charlie Parker, Dizzie Gillespie, Thelonius Monk, John Coltrane; que foi mentor e promotor de quase todos os grandes nomes do Jazz, muitos ainda vivos; que "inventou" o cool jazz, que fez a fusão, que tocou música pop como fizeram os primeiros jazzmen... A presença de Miles impunha respeito. Tudo o que até ali tinha ouvido dele não chegava aos calcanhares do som ao vivo que então ouvia.
A sensação ainda hoje me é difícil de descrever. O som era pura magia - swing autêntico. Tocou temas actuais e fez algumas incursões pelo passado. Virava as costas ao público para tocar. Durante a primeira meia hora do espectáculo o tempo pareceu parar. Ainda não o sabia na altura mas aquele foi o último espectáculo de Miles. Viria a falecer cerca de seis meses depois, no dia 28 de Setembro desse mesmo ano. Ficou o som do seu trompete...
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