Sergio Larraín foi um dos fotógrafos mais importantes da América Latina, suas fotos nos levam à um Chile que parece ter sido criado pelas palavras de Pablo Neruda, mas se as suas imagens saíram de um livro, sua vida se confunde o tempo todo com a literatura: seduzir a filha de um mafioso, ser um exímio atirador de facas na Paris dos anos 60 e ter uma de suas histórias transformadas no filme Blow up de Antonioni são alguns dos capítulos dessa biografia romanceada.
© Sérgio Larraín, "Copetinera de Valparaíso" (Flickr).
Valparaíso é daquelas cidades imaginárias. Nunca pisei no seu solo, mas sei como andar por suas vielas, conheço a sua geografia acidentada e alguns dos seus desconhecidos habitantes me levam para passear. Como nas narrativas sedutoras que Marco Polo fazia ao imperador mongol Kublai Khan, no livro As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, é impossível não se apaixonar por Valparaíso ao ver as fotografias de Sergio Larraín.
O fotógrafo que não queria ser engenheiro, deixou a faculdade de Engenharia Florestal para se dedicar ao uso da sua Leica IIIC. Dedicou menos de 20 anos à fotografia, mas foi o suficiente para tornar-se um dos melhores fotógrafos da América Latina e entrar para o staff da agência Magnun por convite de nada mais nada menos que Henri Cartier Bresson.
Larraín nasceu em Santiago no Chile, em 1931. Seu conterrâneo, o escrito Roberto Bolaño, o definiu como “O Personagem Fatal” devido à sua vida cercada de mistérios e histórias que parecem retiradas de livros de aventuras. Entre outras coisas, dizem que a primeira tarefa que recebeu ao começar a trabalhar na Magnum, foi a de fotografar o chefe da máfia siciliana Giuseppe Russo, tarefa quase impossível. Vem daí também a história de que teria, quem sabe para conseguir a tal fotografia, seduzido a filha do mafioso.
© Sérgio Larraín, "Bella en el Lupanar de Valparaíso" (Flickr).
© Sérgio Larraín, "Inocencia de Valparaíso" (Flickr).
Seus trabalhos estamparam capas das mais importantes publicações de sua época: Life, Paris Match e até a brasileira Cruzeiro. Sua lente se voltava, sobretudo, para a pobreza e a miséria. Em Valparaíso, sua Macondo real, o fotógrafo capturou a cidade em todos os seus prismas: a rica boemia noturna, o passeio de desconhecidos pelas ruelas íngremes da cidade, o porto e sua agitação, mas foi com as imagens pungentes de meninos que viviam sob a ponte do rio Mapocho que ele mais se destacou.
Um dos seus trabalhos mais importantes só faz aumentar a aura de mistério que o cerca: o fotolivro El Retangulo em la mano (1963) teve sua edição toda jogada ao lixo depois que o próprio Sergio rasgou 2 das 17 fotos de todos os exemplares. Por isso, encontrar um exemplar da obra é raríssimo.
© Sérgio Larraín, "Los siete espejos de Valparaíso I" (Flickr).
© Sérgio Larraín, "Los siete espejos de Valparaíso II" (Flickr).
Os enigmas pareciam mesmo querer persegui-lo onde quer que fosse. Em uma sessão de fotos que fez nos arredores da catedral de Notre Dame, em Paris, capturou algumas imagens que depois de passarem por inúmeras ampliações revelaram um mistério. Esse enredo lhe parece familiar?
E é familiar à todos aqueles que já leram o conto Las Babas del Diablo, do argentino Julio Cortázar. Na história, o fotógrafo Roberto Michel, um franco-chileno se envolve em um mistério enquanto fotografava em um domingo. A realidade se mistura à dúvida e à ficção, já que ao final fica a cargo do leitor tirar suas próprias conclusões sobre o acontecido.
Para os que não conhecem o conto, o enredo pode lembrar o filme Blow up de Michelangelo Antonioni, que vem da mesma origem, já que foi baseado no conto de Cortázar e consequentemente na fantástica história vivida por Larraín.
© Blow Up.
© David Hemmings em Blow Up.
Com uma vida envolta em névoa como a desse chileno, o final não poderia ser comum. Ainda no final dos anos 60, ele conheceu o boliviano Oscar Ichazo, fundador da Teoria Arica que consiste em uma filosofia que busca o desenvolvimento espiritual e a iluminação do ser humano. Assim, mesmo estando no auge de sua carreira como fotógrafo, Sergio Larraín abandonou as câmeras e se isolou no interior da província de Ovalle, no Chile. E lá viveu longe de todo o glamour anterior e de todo o contato com a mídia até fevereiro deste ano, quando faleceu aos 81 anos.
O fotógrafo que revelou um Chile mítico deixou mais que imagens. Com tantos detalhes insondáveis na sua vida, ele nos deixa na dúvida: existiu mesmo ou foi criado por algum escritor de romances?
© Sérgio Larraín, "Muelles de Valparaíso" (Flickr).
© Sérgio Larraín, "Calles de Valparaíso" (Flickr).
© Sérgio Larraín, "Don Alberto y los niños de Mopocho" (Flickr).
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