O dia em que eu... fiz a primeira pesquisa na internet
Nesta viagem pela memória, sem saudades, recordamos os tempos em que a internet era um maravilhoso mundo desconhecido...
Lembro-me muito pouco do meu primeiro acesso à internet. Sei que aconteceu em casa de Nuno Markl, em Benfica, por volta de 1990. Na altura, encarava seriamente uma possível carreira de ator, tal o impacto das minhas prestações nalguns dos filmes que Markl e outros futuros valores do humor nacional produziam de forma caseira em lugares exóticos com nomes como "Rinchoa". No meu currículo tenho, por exemplo, um inesquecível papel como forcado amador de Santos-o-Velho que aqui há uns anos me valeu inclusivamente um telefonema a desoras de Sam The Kid, espantado por estar a ver na Sic Radical um filme em que eu ainda ostentava uma basta cabeleira. O tempo, isso é mais que certo, tem essa capacidade, como o vento, de tudo levar...
Mas, de volta à internet. Quando comecei a trabalhar n'A Capital, no verão de 1989, a redação ainda não tinha sido informatizada. Penso até que o martelar que poderá levar os meus vizinhos nesta esplanada a pensar que estou zangado com alguma coisa se deve ao facto de nesses tempos ser necessário carregar nas teclas das máquinas com alguma força para conseguir que as letras surgissem do lado de lá das fitas gastas de tanto uso. Os computadores vieram pouco depois, mas complicavam mais do que ajudavam no início, tal a sua lentidão e os constantes problemas que levantavam. Mas não havia ainda internet na redação. Para escrever sobre os Rolling Stones quando nos visitaram pela primeira vez em 10 de Junho de 1990, por exemplo, tive que gastar horas infindas na hemeroteca de Lisboa cuja única vantagem era ser praticamente paredes meias com a redação d'A Capital, no Bairro Alto. É verdade, o meu primeiro emprego foi num jornal do Bairro Alto, vespertino ainda por cima, o que me obrigava a escrever pela noite dentro quando havia concertos, por exemplo. Se fosse hoje, enviaria o texto do conforto do meu próprio sofá.
Esta crónica semanal, garanto, pode lidar com a memória e ainda assim não investir no pantanoso terreno da saudade. Não tenho saudades desse tempo em que o acesso à informação era complicadíssimo, em que o prazo de espera para um disco encomendado de Inglaterra se podia facilmente dilatar das semanas até aos meses, em que os concertos eram mais esporádicos do que regulares, mesmo os de bandas nacionais, e em que os números das edições eram ridiculamente microscópicos. (E só um parêntesis aqui: no último número da Wire, um leitor que por carta à redação acrescenta a sua posição ao debate sobre a dicotomia da música livre / crise da indústria que tem tomado algum espaço nas páginas das mais recentes edições desta publicação afirma que o número de álbuns editados nos Estados Unidos evoluiu de 36 mil em 2000 para mais de 106 mil em 2008... Salvaguardadas as devidas proporções, o panorama editorial nacional deve ter conhecido um crescimento em tudo idêntico e a vitalidade editorial da música portuguesa aí está para o comprovar).
Agora a sério, de volta à internet. O meu email é inundado diariamente de informação proveniente das mailing lists que optei por assinar e até de algumas fontes em que nunca escolhi beber: lojas de discos, publicações online e editoras fazem-me saber as novidades com a mesma rapidez que também beneficia subscritores desses serviços noutros locais do mundo. A net eliminou distâncias, colocou-nos a todos na rede e tornou a audição de música extremamente simples. Essa é que é a verdade. Mas não ter saudades do passado, não significa que se deva desconhecê-lo. É que nem sempre foi assim. E sinceramente acredito que tanta gratificação instantânea no que ao acesso à música diz respeito não ajuda a que se valorize devidamente o que se ouve. Outra conversa para outra altura, com certeza, mas é o que penso.
Foi por isso mesmo com total entusiasmo que diante de um monitor de computador que a minha memória hoje guarda como um adereço qualquer saído de um episódio do Espaço: 1999 (googlem, sff) ouvi o Nuno responder à minha pertinente pergunta "mas o que é isso da internet, afinal?" com um clarividente "é pá, escreves aqui o que procuras e isto encontra!". "Ai é?", retorqui eu em tom de desafio. "Então escreve aí Tom Waits". Sim, já sei que o nome do velho Tom deve ser o campeão de menções nas sete edições desta coluna, mas é assim com os primeiros amores - nunca se esquecem, só crescem. Na altura, qualquer edição da Rock & Folk, do NME, Melody Maker, Les Inrockuptibles, da BLITZ brasileira e do BLITZ português, do Expresso ou de qualquer outra publicação em que eu apanhasse alguém a discorrer sobre o meu Nighthawk favorito era um pequeno tesouro, lido e relido até nada restar nas entrelinhas tal a raridade com que tais objetos apareciam nas bancas. Mas aquele ultra-futurista monitor de luz esverdeada lá encontrou o Tom Waits. Acho que deu para ver um filme (ou dois...) enquanto a página carregava, mas no final foi um admirável mundo novo que se estendeu à minha frente.
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