domingo, 23 de maio de 2010
Nina Simone
De vez em quando passo uma tarde ou duas a procurar e a ouvir todas as interpretações que encontrar de certo tema. Ok, às vezes mais tempo. Não um tema qualquer. O tema que nesse momento é, por alguma razão, o que mais me apetece ouvir. O impulso é emocional, tem o seu quê de desespero e nada que ver com coleccionismo ou desejo de aprendizagem. Não interessa se a versão que primeiro conheci era ou não a original: é nessas alturas que, se ainda não sei, fico a saber onde e quando tudo começou. Se houver uma letra, é então que a memorizo. Não é sempre jazz, mas muitas vezes é.
O jazz é fértil em interpretações e reinterpretações, e os temas mais clássicos são os que mais frequentemente me prendem e originam as buscas por versões. Há um momento em que compreendo que, de tanto os ouvir, involuntariamente, porque estão em todo o lado, nunca fui eu que tomei a iniciativa e, como tal, nunca lhes prestei verdadeiramente atenção. Ou percebo que só conheço interpretações instrumentais e nunca ouvi o original que por acaso é cantado. Então paro tudo para me dar aos luxos do tempo e da intimidade.
No jazz tudo se repete e nada se repete. O tema original há-de ser sempre o mesmo, enquanto as reinterpretações que dele se fazem o confirmam. E desmentem. Se, depois de ouvidas cem versões e o tema original, se voltar às mesmas cem versões, estas serão diferentes e o tema original que se lhes seguir, que é o mesmo, será outro.
Procurar e ouvir versões é uma maneira simpática de perceber melhor quais os nossos músicos preferidos. Comecei a notar, por exemplo, que, quando procuro reinterpretações de canções muito românticas, estou sempre ansiosa por saber como é que Bobby Hutcherson fez, eu que ainda não tive o impulso de lhe ler e descobrir a discografia; mas há um som que é dele, um som seco de sacudir pó, de bater tapetes e de abrir portas, e fixei-o como se fixam os caminhos, sem me dar conta.
As buscas por versões são também uma boa forma de conhecer álbuns. Disse que quando descobri “The Cats”, de Coltrane, tinha estado a ouvir “Art ‘n’ Zoot”, mas não disse que descobri o “Art ‘n’ Zoot” enquanto procurava versões de ‘Over the rainbow’, busca que teve como maior consequência o reencontro com Coltrane e a subsequente recaída, depois da qual me achei agarrada a ‘Good Bait’, em “Soultrane”.
‘Good Bait’ é um tema de Count Basie e de Tadd Dameron que eu conhecia do álbum da Nina Simone “Jazz as played in an exclusive side street club” ou “Little Girl Blue”, de 1957 (claro), e que em Coltrane soa como nunca e como sempre.
No youtube não encontrei Coltrane, só Nina Simone. A versão do “Jazz as played…”., que é um dos meus álbuns preferidos. Gosto do som, gosto, gosto muito do som, mas também me comove ser o primeiro álbum de Nina Simone e ter sido logo tão bonito. E a capa tem aquela foto de Nina sentada num banco de jardim, em tons outonais, com um ar muito circunspecto, muito académico. E Nina tinha 24 ou 25 anos. Coisas que me fazem gostar ainda mais do álbum.
Dizem que Nina não era lá muito boa pianista e que a sua música não se pode considerar bem jazz. Quem? As más línguas, que bem se podem ir lixar e, pelo caminho, ser mordidas por teclas de piano.
Nina Simone era uma força da natureza.
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1 comentário:
Tenho imensos cds dela :)
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