O Mahgreb, bloco que agrega os países da África do Norte, do Saara e do Oeste do Nilo (Argélia, Líbia, Marrocos e Tunísia) partilha, além de diversos interesses políticos, a paixão por um tipo específico de música: a raï.
Sua origem remonta dos cheikh (velho) - poetas da tradição melhoun, de Oran, Argélia, que pregavam seus conselhos e sabedoria na forma de poesias cantadas - e vai desaguar na escapatória à moral islâmica mais severa, no início do século XX, permitindo inclusive às mulheres compor e cantarem livremente letras que exaltam, em enérgicas notas, o amor, a vida, o álcool e os prazeres da carne. No contexto popular o cantor também fala de suas desgraças, culpando sempre a si mesmo já que elas são geralmente causadas, em sua opinião, pelo desenfreio de seus comportamentos. A palavra então, que em sua origem, significa “opinião”, toma para si novo conceito tornando-se “discernimento”; a falta da raï, leva o poeta a tristes destinos.
Transformado em movimento musical, foi instrumento de resistência e mobilização contra as agruras da colonização e ditadura argelinas, fazendo emergir debates abertos sobre o direito de expressão demandada por sua temática provocativa e tanto libertária.
O ritmo encerra em si diversas influências que acompanham os movimentos de invasões e colonizações culturais estabelecidas na região: podemos encontrar traços da música judaica, francesa, hispânica e, obviamente, primordialmente árabe, através do estilo mais clássico al-andalous trazido do sul da região onde hoje é a espanha por volta de 1490.
A colonização francesa no século XIX popularizou ainda mais a raï: a sociedade empobrecida recorria com afinco aos cantares dos cheikhs e cheikhas para buscar em sua música, conforto, solidariedade e escape das dificuldades. Após a independência do país, o governo marxista suprimiu totalmente o ritmo.
A partir dos anos 60, a influência do rock, do soul e do reggae mudou completamente a face da raï: ao invés dos cheikh, entravam os cheb (jovem) que hoje utilizam, na mistura tradição-modernidade, instrumentos tradicionais e música eletrônica para produzir um ritmo inebrio-apaixonante-hipnótico, que circula livre pelo bloco Mahgreb agregando especificidades em cada região e que se destaca através de cantores como Cheb Khaled (personagem principal desta nova fase), Cheb Hasni, Cheb Faudel, Cheba Samira, Rachid Taha, DJ Nassim, Cheb Mami (que faz dueto com Sting na canção Desert Rose) e, recentemente, Cheba Djenet que marcou o filme Viva Argélia, de Nadir Moknèche, com sua Matejabdoulich; na película, a canção ajuda a desnudar os contrastes de um povo amante da vida e resistente aos violentos reveses de sua realidade política..
Para conhecer mais, vale uma visita atensiosa ao site Algerie Musique que disponibiliza albuns de raï (em tempo, o áudio de certas canções é tanto precário; toda compreensão é bem-vinda). Abaixo, Matejabdoulich, de Cheba Djenet.
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