quarta-feira, 31 de agosto de 2011



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A cidade é um chão de palavras pisadas

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos

domingo, 28 de agosto de 2011

Estrela da semana: Julia Roberts

Estrela da semana: Julia Roberts: Relembre momentos marcantes da carreira da atriz norte-americana que regressa esta semana ao lado de Tom Hanks em Larry Crowne. Ante-Título

Desenha-me uma canção

 

 

Com o projecto Draw me a song™ (Desenha-me uma canção), vencedor do Prémio de Criatividade promovido pelo Deutsche Bank em 2011, Nour dá vida a conhecidas músicas. Faz-nos entrar num universo paralelo e fantasioso onde letras, histórias e cor se fundem na materialização de um mundo sensorial de onde não apetece sair.

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© Nour Tohme.

Ao desenhar as canções que nos dançam nos lábios, Nour dá o mote para o complemento perfeito: imagem e som juntas, a estimular os sentidos.

Tem 23 anos, é de origem franco-libanesa e vive em Paris. À paixão aliou a técnica, adquirida com a formação em Belas Artes e Design Gráfico, e em História de Arte, pela Universidade Americana de Beirute, em 2009. É designer e ilustradora, adora padrões, texturas, pop art, Tim Burton, Hello Kitty, Disney, manga e artigos vintage. Fontes distintas e ricas que Nour Tohme absorve e reflecte nas obras que produz.

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© Nour Tohme.

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sábado, 27 de agosto de 2011

Robert Charroux

Reinterpretando a história - parte 2 - robert charroux

 

Vida para além da morte, universos paralelos, Deus, segredos enterrados, continentes perdidos, virgens negras. Para além de partilhar com Erich von Däniken a teoria dos antepassados astronautas, Robert Charroux é o mestre da pseudo-ciência. Mergulhe nos mundos esquecidos pela História e num "si próprio" muito maior que os limites dérmicos do seu corpo.

robert charroux
Robert Charroux foi, por algumas vezes e por determinados grupos e indivíduos da ciência mainstream, considerado um louco. Sabemos, porém, que “a ciência não averiguou ainda se a loucura é ou não a mais sublime das inteligências”, conforme constatou o escritor e poeta norte-americano Edgar Allan Poe.

[O presente artigo é o segundo da série “Reinterpretando a História”, seguindo-se ao artigo sobre Erich von Däniken.]

A palavra heresia provem do latim haeresis e significa “divergência em ponto de fé ou de doutrina religiosa” ou, por extensão, “blasfémia”, ou ainda, figurativamente, “opinião ou doutrina referente às ideias recebidas”. Robert Charroux (RC) considera-se um herético. Afirma que “o caminho para a verdade se faz às apalpadelas, à custa de erros sucessivos e de descobertas positivas”. Diz ainda que “no labirinto em que se perde, o investigador nunca alcança o âmago”. Critica com humildade algumas (poucas) falsas asserções encontradas nos seus livros que foram posteriormente desmistificadas. Mas aponta uma maior “falha” que, embora alheia à sua vontade, está directamente relacionada com ele: por toda a França e em outros países surgiram, espontaneamente, clubes Robert Charroux – grupos de estudantes, jovens amantes do insólito, do supranormal e do saber não conformista.

O problema reside, essencialmente, no questionamento destes jovens em liceus e universidades sobre a validade e veracidade do ensino clássico com base nos seus livros (livros dos quais ele é o autor mas que envolvem o contributo de diversos historiadores, arqueólogos, escritores, correspondentes e amigos, e a sua fiel colaboradora – Yvette Charroux). Ora, Robert Charroux deplora esta “heresia” contra o ensino clássico, fazendo entender que embora algumas das suas teses ofereçam garantias mais comprováveis, elas não passam, geralmente e quanto ao resto, de “exercícios, de jogos intelectuais, susceptíveis de aperfeiçoamento, destinados a estimularem o cérebro e, talvez, a serem algum dia confirmados”. Sendo assim, este trabalho de “aperfeiçoamento” pressupõe o conhecimento dos tratados clássicos.

robert charroux
Um exemplo moderno de heresia – fotografia de queima de livros de Lenin pelos nazis na Praça de Göttingen, Alemanha (Fotografia do Museu Municipal de Göttingen)

Mas qual é a relevância disto? Bom, Robert Charroux elaborou umas teses, umas teorias, que defrontam “tête-à-tête” (a níveis semelhantes) a ciência clássica nos campos da Pré-história, da História e da Religião, entre outros, ou seja, na forma como concebemos o mundo e a nossa existência. É deveras interessante e totalmente conspirador. Se for o mundo de Charroux uma verdade, então vivemos nós, há já muito tempo, numa gigantesca conspiração. E se por vezes a conspiração é apenas um pesadelo para a realidade banalizada, é, certamente e muitas vezes, o oposto. Ou seja, como podemos delimitar a distância entre a realidade e a conspiração? A realidade é por vezes um produto de conspiração e a conspiração uma realidade (pense-se – apenas como exemplo, pois teríamos inúmeras formas de mostrar isto – nas reuniões do Clube Bilderberg ou nos Iluminatti ou ainda na Maçonaria e nas façanhas edificadoras da Nova Ordem Mundial).

robert charroux
Grande Selo dos Estados Unidos presente na nota de um dólar, com a inscrição em latim Anuit Coeptis – Novus Ordo Seclorum, que significa: “Ele aprova o nosso empreendimento – [A] Nova Ordem dos Séculos”

Charroux morreu em 1978 com 69 anos. Trabalhou para os correios franceses até se tornar escritor de ficção científica, tendo então publicado seis obras de não-ficção baseadas em dezenas de anos de investigação em diversas áreas relacionadas com a arqueologia, a exegese, a religião, o misticismo, entre outras, a maior parte na última década da sua vida. São estas as obras relevantes para nós, para este artigo. Não podemos, no entanto, deixar passar sem assinalar, e a título de curiosidade, as tiras de banda desenhada escritas para o Mon Journal, nos finais dos anos 40, que tinham como protagonista um super-herói com poderes atómicos – o Atomas!

Charroux é o reconhecido pioneiro da teoria dos antigos astronautas, mas é importante denotar a reciprocidade de influência entre ele e Erich von Däniken, havendo, inclusive, acusação de plágio por parte da editora de Charroux, o que obrigou a editora de Däniken a colocar os livros deste na bibliografia das suas obras. Note-se ainda que ambos terão tido influência das obras “The Morning of Magicians” (“O amanhecer dos Mágicos”), de Lewis Pauwels e Jacques Bergier, e dos livros do profícuo autor britânico Raymond Drake, todos no início da década de 60. (A razão pela qual Robert Charroux não abre as hostes desta série de artigos sobre a reinterpretação histórica em prol de Däniken prende-se com o facto de que o primeiro transcende de alguma forma Däniken no campo de análise, fazendo transbordar esta para um tempo mais Presente, se considerarmos uma perspectiva linear do Tempo).

É impossível dissecar aqui as teses de Charroux. Deixo-vos, então, alguns títulos de duas das suas obras (deveras interessantes, por sinal) para que possa o leitor ter uma noção mais precisa da temática abrangida por este senhor e, eventualmente, mergulhar por si no fantástico desconhecido (note-se que estes títulos estão descontextualizados do seu conteúdo, não merecendo, por isso, julgamentos apriorísticos):

robert charroux

O milagre da areia de ouro; o cérebro extraterrestre; A coisa estranha provoca loucura; O mar está esquisito; O país onde o tempo deixa de correr; Os nossos antepassados não eram macacos; O Homem é um ser extraterrestre; Menires na lua; Um falo em metal desconhecido; O ocidente foi sabotado; Conheciam a charrua mas não os bois; O gerador de plasma dos faraós; A alma do Universo; O império invisível dos R+C; A Atlântida vai ressurgir; Os fantasmas de Hiroxima; A violação legítima; Deus é excomungado; A Bíblia é um romance; O sapo iniciado; Deus não é um capataz; O amor é um conceito satânico; As raparigas serão belas em 1986; Os homens são mais sábio que Deus; Jesus recusava-se a ser o Salvador; Um «hippie» chamado Jesus; Os Apóstolos: drogados; A mulher, criatura do Diabo; Jesus não estava morto; Receitas para viver muito tempo; A missa na Lua; A esquerda é obscena; Extraterrestres operam uma egípcia; Os super-homens voadores e o mistério dos golfinhos.

robert charroux

As palavras que é proibido pronunciar; Os hebreus são arianos puros; Moisés não escreveu a «Génese»; A História está deturpada; Há 5000 anos os deuses voavam; Uma mulher para repovoar o mundo; A evolução humana do dilúvio até à nossa época; Anti-racismo cósmico; Os mestiços modificarão a face do mundo; Extraterrestres para mulheres negras; Adão e Eva eram negros; Deus é branco; A verdade antiga é inacreditável; Proibido invocar Deus; A gruta de Rosenkreutz; Os quatro segredos R+C; O segredo das tochas eternas; Os locais mágicos onde apetece viver; Equilibrar o + e o -; A pirâmide subterrânea; Alguém no invisível; Religião = Feitiçaria; Magia negra; A maldição das focas; O deus branco que insufla; As drogas de iniciação; Os poderes fantásticos de Maria Sabina; A planta extraterrestre; O imenso medo dos americanos; Deus: dois braços, duas pernas…; O rei Crono da Atlântida; Revelações proibidas; Os Maias inventaram o futebol; Keely aguenta dez toneladas num só braço; A levitação dos santos; A vida é possível em Vénus; O mistério dos homenzinhos verdes.

robert charroux
“Poço da Iniciação”, no Palácio da Regaleira, em Sintra, Portugal. Todo o palácio é rodeado de luxuriantes construções enigmáticas que ocultam significados alquímicos como os usados pela Maçonaria, os Templários e Rosacruz. Este poço é construído por 9 patamares separados por lanços de 15 degraus cada um, representando os 9 círculos do inferno, do paraíso e do purgatório. No fundo do poço está embutida em mármore uma rosa-dos-ventos sobre uma cruz templária, indicativo da Ordem Rosacruz

Como se pode verificar, a temática abordada por Charroux é bastante ampla. Há, no entanto, um tema que sobressai nos seus livros com maior veemência: a Atlântida. Este continente perdido é um tema já deveras debatido mas merece ainda a nossa (e a dos especialistas) atenção. Recentemente, rumores indicaram a descoberta de parte deste continente através do mapeamento planetário feito pela Google. Após um enorme alarido, a “descoberta” foi (parcial e não muito convincentemente) desmentida. De forma a compreendermos um pouco melhor a complexidade deste psudo-fenómeno, deixo-vos este documentário do Canal História (legendado em português):

 

Charroux destrói de uma forma fabulosa a crença religiosa na ciência actual, substituindo-a por um admirável Passado novo, tornando, sem a menor dúvida, o nosso mundo e a nossa existência em algo muito mais fascinante (!)

O próximo artigo desta série será sobre um especialista em xamanismo, o homem do “Pão dos Deuses”, Terence McKenna, que partilha com Charroux e Däniken uma estupenda visão do passado da Humanidade.

Agora, quase findo este artigo e de forma a inspirar o leitor ao exercício e à grande loucura de repensar, ainda que momentaneamente, as suas profundas convicções acerca do mundo e da vida, deixo-o com uma frase de Sanconíaton de Béryte, autor de “A História Fenícia”, escrita há cerca de quatro mil anos atrás, a quem Charroux dedica “O Livro dos Senhores do Mundo” por ser este “o pioneiro das verdades primeiras”:
«Os nossos ouvidos, habituados desde os primeiros anos a ouvir as suas histórias falsas, e os nossos espíritos, imbuídos desses preconceitos desde há séculos, conservam como um depósito precioso essas suposições fabulosas… de tal forma que fazem aparecer a verdade como uma extravagância e dão a lendas adulteradas a aparência da verdade».

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Nick Cave - Foi na cruz

Ontem eu ainda pensava

Ontem eu ainda pensava que eu e tu seríamos nós mas hoje
apesar de nada ter mudado (uma vez que sentimentos não se desintegram) percebo
que estou só no meu objetivo de tê-lo junto a mim
Há uma nuvem que se
aproxima de nossas conversas cada vez que tentamos manter a energia amorosa além
da realidade de carne que tanto nos fascina e que só ela nos abriga
carinhosamente e sem conflitos...
Há algo em mim que não reage bem quando
percebe as tantas mulheres que te cercam e sua atenção de amigo se estende além
das telas, e nada tem a ver com ciúme embora eu admita que um sentimento
corrosivo me tome repentinamente cada vez que te percebo se entregando mais um
pouquinho em palavras e gestos que me ferem como se vc estivesse se esvaindo de
mim...e fico com a impressão de que eu apenas passo por ti como uma chuva, a
chuva que não abençoa e sim que inunda os átrios do coração que te pertence e se
esconde em saudade.
Te esquecer é algo que já não posso fazer nem que me
peças porque vc está em mim como se tatuado em minha alma, mas se nossos
conflitos diários te ocasionam impaciência e desgaste, em mim n é diferente e
só eu sei as tantas vezes em q tenho q conversar com o travesseiro
molhado...
Percebo ainda que com dor, que nada acrescentamos um ao outro nos
mantendo ligados apenas por máquinas como os doentes terminais que buscam alívio
e esperança daquilo que já sabem o fim.
Não te quero ter porque necessito ou
porque somos importantes um para o outro, te quero ter além de todas as tuas
expectativas e das palavras que partilhamos quando juntos.
Sinto que meu amor
muitas vezes não é suficiente para arrebatá-lo de suas tantas dúvidas e saber
sair de cena quando se reconhece ser coadjuvante é um dom e não uma
lamentação.
Não coloco pontos finais onde só existem reticências, apenas
preciso trazer de volta a parte de mim que está irremediavelmente presa à você,
preciso me resgatar, renascer como a Fênix mais louca e ainda assim apaixonada
mas que tem a força suficiente para num gesto de misericórdia desatar o nó que
nunca se fez laço a não ser pelo coração.
Sei que minhas palavras podem ser
interpretadas por vc de um modo contrário, porque de algum jeito mesmo sem eu
entender, vc sempre traduz minhas idéias em como eu não dar ponto sem nó ou com
a distorção que passeia por comentários alheios, pois bem, vou correr esse
risco, mas se o coração daquele homem pelo qual um dia eu me apaixonei, estiver
aí dentro de ti, entenderá com todas as letras que isto não é um jogo, nem um
lance perfeito onde cartas são dadas ou marcadas.
Isto, sou eu, isto é o meu
coração gritando por você e ao mesmo tempo pedindo perdão pelas tantas vezes que
tentando amá-lo me excedi, que tentando compreendê-lo, me permiti ser ácida e
irônica, ciumenta ou vingativa, exigente ou manhosa em situações que só agora
entendo...porque colocaram ainda que sem querer meu coração por penhor, daí
minha necessidade inerente de resgatá-lo uma vez que mais faço perder o rumo que
traçar bons caminhos.
Estou numa tentativa desesperada de assinalar o teu
entendimento com um x , o x da certeza de que meu amor por você é eterno e assim
permanecerá mesmo que você não permaneça em minha vida...mas paradoxalmente,
estou serena por saber que combati o bom combate ainda que me faltem qualidades
para ser a heroína das novelas e filmes mas ainda assim, eu lutei por vc, eu
abri a minha guarda, para que vc pudesse entrar e me inundar com sua presença
linda, eu me dediquei a te conquistar mesmo quando vc me fez parecer apenas mais
uma guerreira no meio de tantas outras; eu te amei com o mais íntimo de minha
alma e por isso me inclino a me despedir porque sei que não desisti sem tentar
antes todas as oportunidades de viver este amor que não se esquece.
Saio com
a sensação do dever cumprido ainda q tenham ficado pelo

domingo, 14 de agosto de 2011

Postagem Temporária Utilizada para Detecção de Tema (a2a82877-0cff-4bbc-acc6-cb3b197371f7 - 3bfe001a-32de-4114-a6b4-4005b770f6d7)

Esta é uma postagem temporária que não foi excluída. Exclua-a manualmente. (6ab67bbd-1337-4647-985d-562eedd7c1ea - 3bfe001a-32de-4114-a6b4-4005b770f6d7)

Velvet Underground

O dia em que eu... vi os Velvet Underground [crónica de Rui Miguel Abreu] -

O dia em que eu... vi os Velvet Underground

Em 1993, Rui Miguel Abreu apanhou os Velvet Underground em Londres. Oportunidade irrepetível para dar de caras com um mito.

Gosto da perspetiva que este presente oferece sobre o passado que já lá vai e o futuro que está para chegar e nunca fui nem dos que gostavam de ter sido cavaleiros na corte do rei Artur ou membros da entourage dos Rolling Stones em 68 nem dos que sonham acordados com o dia em que possam apanhar o 751 para Júpiter ou ir de férias para um qualquer planeta paradisíaco com um simples "beam me up, Scotty!". Gosto do aqui e agora (às vezes mais do "aqui" do que do "agora", é verdade...), mas até um tipo pragmático como eu pode ter as suas fraquezas. E uma das minhas fraquezas em tempos passava pela Nova Iorque de Andy Warhol e dos Velvet Underground: gostava de ter visitado a Factory em 1966, de ter estado entre o público do Exploding Plastic Inevitable, de ter testemunhado o poder dos Velvet Underground nessa época. E isto porque aquela música sempre me pareceu mais do que um conjunto de impulsos elétricos gravados nos sulcos de discos de vinil. Havia um claro lado ritualista, teatral, performativo desvendado pelas lendárias atuações ao vivo de Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker, mais Nico e todo o circo de "freaks" montado por Warhol, com projeções de cinema e de slides de óleo, mais luzes e chicotes e agulhas hipodérmicas gigantes... Uma festa.

Em 1990, começou a desenhar-se uma hipótese de ver esse sonho realizado, pelo menos de forma parcial. John Cale e Lou Reed gravaram e editaram a homenagem a Andy Warhol Songs For Drella e depois, em Paris, na Fundação Cartier, os dois homens fortes dos Velvet interpretaram "Heroin" e mais alguns temas que viriam a encontrar lugar no bootleg Paris 1990 . Em 1993, o grupo cedeu finalmente à história e juntou-se para uma série curta de concertos.  Tocaram em Edimburgo, em Paris (de onde saiu a gravação que daria origem a Live MCMXCIII ), fizeram alguns primeiras partes dos U2, e apresentaram-se na Wembley Arena em junho de 1993. Foi esse o concerto que apanhei e sobre o qual escrevi as linhas que se seguem, nas páginas do Se7e:

"O concerto dos Velvet, no último domingo, em Londres, foi mesmo brilhante. Lou Reed, Maureen Tucker, John Cale e Sterling Morrison juntos como nos velhos tempos. Juntos e ao vivo. Sinceramente, penso que a chama está intacta", escrevia eu depois de me interrogar sobre o que poderia ter Lester Bangs pensado de tal reunião. "Tudo abriu com "We're Gonna Have a real Good Time Together", espécie de aviso prévio para a requisição civil que se seguiu. Logo depois, com "Venus In Furs" entrámos no território dos mitos apenas para sermos imediatamente devolvidos a este planeta com o pontapé dos arranjos. Isto serve para alertar os cardíacos defensores da imutabilidade: os novos arranjos para os eternos clássicos dos Velvet podem provocar uma crise na aorta dos mais sensíveis. Como pessoas inteligentes que são, os Velvet Underground pegaram no passado de cernelha e fizeram-no curvar-se ao presente".

Expliquei depois que Cale foi o multi-instrumentista de serviço e que ficaram a seu cargo as canções que originalmente contaram com a voz de Nico. Sobre Maureen Tucker escrevi que foi "económica como um judeu em véspera de reforma e certeira como Miguel Sousa Tavares", garantindo que "foi dela grande parte da noite". Referi a "massa bruta de força, energia e extrema coesão", notei que Lou Reed estava "cheio de vontade de tocar guitarra descontroladamente" e falei da afinação alternativa de Cale. "É certo que os Velvet já não tocam de costas voltadas para o público, já não usam óculos escuros, nem seringas ou outras ferramentas hipodérmicas em palco. Mas não se perdeu nada". "Falta dizer", concluía depois de apontar o álbum ao vivo que já se anunciava como documento desta digressão, "que os Velvet assinaram o melhor concerto de rock que já vi. Poderoso, inventivo e corrosivo. Com a dose certa de eletricidade para acordar da letargia qualquer saudosista da década de 60. Suficiente para que Lester Bangs, que está com certeza a escrever fanzines na Quinta Dimensão, faça uma edição especial só com eles".

Nunca fui grande adepto das reuniões, precisamente por achar que tudo tem o seu tempo e lugar, mas na impossibilidade de realinhar as minhas moléculas à porta da Factory em 1966, abri uma exceção e cumpri esse sonho em Londres. E em boa hora o fiz... Sterling Morrison morreu dois anos depois e Maureen Tucker parece ter aderido ao Tea Party sendo uma feroz crítica de Obama e das políticas que acredita estarem a conduzir a América ao socialismo... Esta senhora, no entanto, tocou bateria de pé para os Velvet Underground. Eu sei bem. Ainda a consegui ver...

sábado, 6 de agosto de 2011

Amy Winehouse

O dia em que eu... soube que Amy Winehouse tinha morrido -

O dia em que eu... soube que Amy Winehouse tinha morrido

A morte é sempre uma tragédia, sobretudo quando rouba à vida o tempo das grandes realizações. Foi assim com Amy Winehouse, tal como tem sido assim com dezenas de outras estelas desde que a cultura pop tal como hoje a conhecemos foi inventada, algures entre o abanar de ancas teledifundido de Elvis Presley e a primeira aterragem dos Beatles em Nova Iorque perante um batalhão de fotógrafos. Estrelas como Amy nascem, vivem e morrem sob os holofotes, sem a possibilidade de nenhum recato. Claro que, na esmagadora maior parte dos casos, as escolhas que colocam estas estrelas perante tal exposição são quase sempre da sua própria responsabilidade. O jogo da fama, é fácil de perceber, pode ser viciante e esvaziar qualquer possibilidade de fuga. E depois é fácil dizer que já todos vimos este filme. Eu já vi este filme.

A morte de Amy Winehouse voltou a levantar algumas questões, recorrentes nestes casos. Mede-se o grau de previsibilidade ou de choque perante a notícia, tenta-se perceber se o caminho que conduziu a tal desfecho era ou não claro e depois amplificam-se as emoções através de artigos, reportagens, evocações. E mesmo que o filme se vá repetindo, a verdade é que há sempre diferentes nuances a recortar o carcter singular de cada uma destas histórias: a morte de Amy não foi igual à de Michael Jackson, que pouco ou nada teve a ver com a de Kurt Cobain, e por aí adiante. Reduzir a morte de artistas pop de primeira linha a um estereótipo seria aliás a maior desonra à sua memória, por muito que haja coincidências na idade, nos desfechos ou nos vícios e nas virtudes que todos ostentaram em vida. Os fantasmas que atormentavam Kurt não eram certamente os mesmos que empurraram Amy para o abismo, por muito que ambos tenham tomado as mesmas substâncias. Inegável, porém, é que ambos produziram música que definiu momentos específicos no tempo, música que possui aquela rara capacidade de sobreviver ao tempo e de projetar a memória dos seus autores no futuro. Quase como se Amy, Kurt e outros tenham decidido viver naquelas canções e em mais lugar nenhum.

E isso obriga-nos a pensar no que sentimos, quando estas notícias são divulgadas. Em conversa recente com um amigo, numa estação de rádio, fiquei a saber que ele chorou com a notícia da morte de Amy e com a de Gil Scott-Heron em maio último. Eu não posso dizer que tenha vertido uma lágrima sequer, nem num caso, nem no outro. E não sou propriamente um tipo empedernido: a quantidade de filmes de família com cãezinhos perdidos ou amantes desavindos ou pais e filhos reencontrados ou que quer que seja que me fazem verter lágrimas como uma Maria Madalena é prova clara disso. O mesmo na música: o "I'm So Lonesome I Could Cry" na voz dos Cowboy Junkies (aliás, todo o Trinity Session ), o "Hallelujah" do Leonard Cohen, o Songs fro Drella de John Cale e Lou Reed, o "Martha" do Tom Waits, o Dummy dos Portishead, o A Love Supreme de Coltrane... a lista é enorme. Todos esses discos têm a estranha capacidade de alagar o meu olhar e nalguns casos precisamente por causa disso até evito ouvi-los. E no entanto, apesar de nunca ter sido dado a poupanças no departamento das lágrimas, nada. Nem no fim-de-semana de visita familiar em que soube do que tinha sucedido a Amy, nem no passeio pelos labirintos do Facebook, quando fui surpreendido na esquina de um post qualquer com a notícia da morte de Gil. Porquê?

A resposta é muito simples: eu não os conhecia, conhecia somente alguma da música que fizeram e por muito que essa me tenha tocado, e tocou, em ambos os casos, não me atreveria a presumir que os conheço e que lhes vou sentir a falta. Da música sim, mas essa é uma razão egoísta, que não merece lágrimas. E de alguma maneira sinto, mesmo, que essa ausência de lágrimas pode até ser a mais sentida homenagem que lhes posso fazer. É que tudo lhes aconteceu em público: o nascimento, as dores de crescimento, os dramas de coração, a lenta ou rápida agonia da degradação, a morte. Permitir que as respetivas famílias chorem em privado, sem o eco de milhares de desconhecidos que querem fazer o mesmo, é mesmo o mínimo que podemos fazer nessas alturas. E depois, garantir que a música não pára de tocar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Bon Jovi no Parque da Bela Vista, Lisboa

Bon Jovi no Parque da Bela Vista, Lisboa [texto + fotogaleria] -

Bon Jovi no Parque da Bela Vista, Lisboa

56 mil pessoas (números da organização) assistiram ao último concerto da presente digressão dos Bon Jovi. Mãos ao alto e corações inflamados na Bela Vista.

 

Houve um momento, na reta final do concerto dos Bon Jovi em Lisboa, ontem à noite, que deverá ficar marcado na memória dos milhares de fãs que trocaram o sossego dominical pela romaria à Bela Vista. No final de "Wanted Dead or Alive", uma das músicas pelas quais Jon Bon Jovi disse, em entrevista, que não se importaria de ser recordado, o duo dinâmico, carismático e fotogénico desta banda - Jon e Richie Sambora, pois então - para uns segundos para contemplar a imensa plateia que tem à sua frente. No meio de tanto showbizz e tanta, compreensível, encenação (afinal, não se põe uma máquina destas em andamento com base no improviso), a pausa parece espontânea e o sorriso da dupla tão genuíno como a ovação. Esta é a última noite da digressão "best of" dos Bon Jovi, possivelmente a última em alguns anos, e podemos dar-nos ao luxo de pensar que a emoção sem palavras que percorre o rosto dos dois veteranos é verdadeira. Às vezes, um momento destes é o que basta para tornar um concerto profissionalão, mas que mal se distinguiria do anterior, numa qualquer outra cidade, em algo mais personalizado e próximo do coração. Que, logo a seguir, a banda tenha acedido aos pedidos dos fãs das primeiras filas e tocado a canção que traziam escrita em dezenas de cartazes - a pouco rodada "I Believe", do longínquo Keep The Faith - reforçou a ideia de que a máquina dos Bon Jovi, alimentada a canções de otimismo, esperança, amor e alguma consciência de classe, é suficientemente flexível para uma ou outra bem-vinda surpresa.
Num local tão imenso como o Parque da Bela Vista, o espetáculo de palco que os Bon Jovi trouxeram também saiu vencedor. Mesmo quem estivesse "na cauda" do recinto sentia um mínimo de proximidade com o que se passava em palco pois, no enorme meio círculo acima do mesmo, eram projetadas imagens, em tamanho gigante e em tempo real, dos músicos. Algumas canções tinham direito a pequenos filmes pré-preparados (destaque para as mulheres sensuais que acompanharam o medley de "Bad Medicine") mas, nos momentos em que a cumplicidade entre Jon e Richie era o mais importante ("Wanted Dead or Alive", mas também "I'll Be There For You", balada bem resgatada ao álbum New Jersey ), o ecrã refletia isso mesmo, sem outras distrações visuais. Foi, mercê deste equilíbrio e da criatividade de algumas soluções - como o fogo de artifício virtual, certamente mais ecológico que o verdadeiro - um dos melhores palcos que já vimos passar por Portugal.
A noite de música começou quando o sol ainda derramava os últimos raios sobre a Bela Vista, depois de um trailer quase cinematográfico e com um impressionante mar de telemóveis a registar (e iluminar) o momento. "Raise Your Hands", do ancião Slippery When Wet , serviu de mote à abertura e complicou a vida a quem planeava passar o concerto agarrado ao concerto ou à máquina fotográfica. A passagem de um avião, dos muitos que, ali, voam bem baixinho, ajudou ao efeito dramático deste arranque, seguido com estrondo por "You Give Love a Bad Name". A excitação de ter um hit desta envergadura tão cedo, conjugada com o sorriso ofuscante de Jon Bon Jovi (e o avião a quem toda a gente diz adeus), coloca o espetáculo no trilho do sucesso. A norma, com os Bon Jovi, é não falhar, quer na manga se tenha a fantasia romântica mais singela ("Born To Be My Baby", "In These Arms"), a mensagem de esperança ("We Weren't Born To Follow", "It's My Life", "Keep The Faith") ou a melancolia tingida de country ("Lost Highway", "Who Says You Can't Go Home").
Homem de família e homem de trabalho ("Não vamos perder tempo a falar, que há muitas músicas para tocar", diz a certa altura), Jon Bon Jovi continua a dominar a multidão ("Ele sabe cativar as pessoas", comentava uma senhora a nosso lado. "Johnny, faz-me um filho!", berrava um seu amigo). E com as suas mensagens simples e a sua jaqueta vermelha (no encore, substituída por t-shirt transpirada e blusão de cabedal), apela com sucesso à comunhão e a um sentido de família que começa na banda. À exceção do baixista Hugh McDonald, que como não é membro de raiz está no que parece ser o "quarto dos fundos" do palco, tanto Richie Sambora como David Bryan (que cantou em "In These Arms") e Tico Torres são os músicos que sempre nos habituamos a ver no papel de secundar o sonho rock 'n' roll de Jon Bon Jovi. Há aqui confiança no que eles fazem, que é entreter-nos nesta noite amena de domingo. E esse capital de confiança e respeito faz com que "(It's Hard) Letting You Go", balada quase gospel de These Days , seja escutada com o silêncio possível, ou que ninguém pareça zangado por êxitos como "Bed of Roses" terem ficado de fora e canções desconhecidas do grande público, como "Captain Crash & the Beauty Queen of Mars", que não destoaria num disco dos Killers, ganharem o seu lugar no alinhamento.
Tal como previsto, houve dois encores, um dos quais precedido por uma grande ovação à banda, que se uniu de mãos dadas em palco. Também aqui os Bon Jovi deram ao povo o que o povo queria ouvir - a hiper balada "Always", cujo refrão berrado a 56 mil vozes se deve ter ouvido na Margem Sul do Tejo - e aquilo que, aparentemente, lhes dá prazer tocar e quiseram também lembrar neste adeus aos palcos: "I Love This Town", do seu disco mais country, Lost Highway . A despedida fez-se ao som de "Twist and Shout", mas tal como Jon Bon Jovi diz não se importar de ser recordado por "Wanted Dead or Alive" e "Livin' on a Prayer", não faremos um mau serviço se resumirmos este concerto com base nessas duas músicas: o riff misterioso e a letra solitária da primeira, cantada por quase 60 mil pessoas, e a saga de Tommy e Gina gritada com ganas de "vítimas" de crise, e com um mosaico de muita gente diferente no ecrã gigante, como que espelhando o seu apelo universal. Algures pelo meio, Jon Bon Jovi agradeceu, prosaicamente, "o apoio e a amizade" emprestados pelo público português à sua banda nos últimos 30 anos e garantiu que esta foi uma grande noite. Como faz todas as noites e como reconhece na letra da canção ( "I've seen a million faces and I've rocked them all" ). Mas... terá sido uma lagrimita que lhe vimos ao canto do olho? "We'll miss you too", confessou apenas no início do segundo encore. Fica-lhe bem a discrição.
ALINHAMENTO - BON JOVI NO PARQUE DA BELA VISTA, LISBOA 31 DE JULHO DE 2011
1. Raise Your Hands
2. You Give Love a Bad Name
3. Born To Be My Baby
4. We Weren't Born To Follow
5. Lost Highway
6. It's My Life
7. Get Ready
8. In These Arms
9. We Got It Goin' On
10. Captain Crash & the Beauty Queen From Mars
11. Bad Medicine / Gloria / Pretty Woman
12. (It's Hard) Letting You Go
13. When We Were Beautiful
14. I'll Be There For You
15. Who Says You Can't Go Home
16. I'll Sleep When I'm Dead
17. Any Other Day
18. Have a Nice Day
19. Keep The Faith
ENCORE
20. These Days
21. Wanted Dead or Alive
22. I Believe
23. This Ain't a Love Song
24. Livin' on a Prayer
ENCORE 2
25. Always
26. I Love This Town
27. Twist and Shout