Anoitecer
A luz desmaia num fulgor de aurora,   
Diz-nos adeus religiosamente...    
E eu que não creio em nada, sou mais crente    
Do que em menina, um dia, o fui... outrora... 
Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,   
Tenho bençãos de amor pra toda a gente!    
E a minha alma, sombria e penitente,    
Soluça no infinito desta hora... 
Horas tristes que são o meu rosário...   
Ó minha cruz de tão pesado lenho!    
Ó meu áspero e intérmino Calvário! 
E a esta hora tudo em mim revive:   
Saudades de saudades que não tenho...    
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive... 
Florbela Espanca
Esquecimento
   
Esse de quem eu era e era meu,    
Que foi um sonho e foi realidade,    
Que me vestiu a alma de saudade,    
Para sempre de mim desapareceu.    
Tudo em meu redor então escureceu,    
E foi longínqua toda a claridade!    
Ceguei... tacteio sombras... que ansiedade!    
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!    
Descem em mim poentes de Novembro...    
A sombra dos meus olhos, a escurecer...    
Veste de roxo e negro os crisantemos...    
E desse que era meu já me não lembro...    
Ah! a doce agonia de esquecer    
A lembrar doidamente o que esquecemos!...
   
Florbela Espanca
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