quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Jazz do futuro: Pat Metheny versus SHINING


Falar sobre o futuro de um estilo que sempre esteve a frente de seu tempo é algo complicado. Ornette Coleman já havia prenunciado em 1959 The Shape of Jazz to Come, John Coltrane transformava o conceito de improvisação em experiência religiosa com A Love Supreme e Miles Davis, bem... foi Miles Davis. Mesmo em uma época onde todas as possibilidades musicais parecem estar esgotadas, existem músicos que continuam a apontar novos caminhos para o Jazz, cada um à sua maneira.
Peguemos como exemplo Pat Metheny. Certamente um dos grandes nomes do jazz moderno de todos os tempos, o guitarrista norte-americano sempre se interessou em buscar novos caminhos para a sua música, testando guitarras-sintetizadores (assim como Allan Holdsworth) e novos métodos de gravação em estúdio. Em seu último lançamento, Orchestrion, Metheny foi além e levou o conceito de one-man band até o limite: projetou uma série de instrumentos eletroacústicos, que com a ajuda de softwares e mecanismos pneumáticos, são acionados e comandados pelo próprio músico, todos ao mesmo tempo.
O conceito de Metheny é ao mesmo tempo utópico e calcado no passado, como um delírio musical steampunk. Inspirado nas pianolas e orchestrions que datam do começo do século 20 - instrumentos com mecanismos rudimentares que “liam” rolos de papel perfurado contendo partituras de músicas variadas - o guitarrista imaginou uma maneira de utilizar a tecnologia musical disponível atualmente para interagir com instrumentos acústicos reais, ao invés de trabalhar com samplers ou sintetizadores. Em suas próprias palavras, “usando o melhor do passado com o potencial do futuro.”
O resultado final é de surpreender os olhos e ouvidos do espectador. Vibrafones, sinos e violões modificados vão preenchendo os arranjos ao mesmo tempo que entram pratos e percussão, tudo isso filtrado pela mente e estilo de tocar de Metheny, que controla tanto os sons de
sua guitarra elétrica como o restante dos instrumentos. Alguns podem argumentar que isso acaba com um elemento importante do Jazz: a interação e improvisação entre diferentes músicos. Mas o diferencial de Orchestrion é dar ao músico a chance de interagir, em tempo real e com instrumentos reais, com a própria criação. Com Orchestrion, Pat Metheny torna-se o maestro de si mesmo e de suas músicas.
Se o futuro proposto por Metheny parece brilhante e promissor, outros músicos tendem a seguir direção oposta. É o caso do coletivo norueguês SHINING, cuja proposta pode ser sintetizada pelo nome de seu álbum mais recente: BlackJazz. O caráter imprevisível do estilo permanece, mas acrescido de influências do progressivo, industrial e metal extremo, criando uma atmosfera opressiva e caótica. Guitarras pesadas e vocais gritados lado a lado com solos de saxofone, teclados densos e ritmos quebrados. Essa mistura pode parecer indigesta para o ouvinte de Jazz mais tradicional, mas a raiz do SHINING é certamente jazzística.
Apesar de ter iniciado atividades como um conjunto mais tradicional de Jazz, com instrumentação acústica e influências de Coltrane, o SHINING foi incorporando outros elementos gradativamente, como que buscando transcender as limitações e rótulos do estilo. A influência do Industrial se faz ainda mais presente em Blackjazz, álbum produzido por Sean Beaven, que já trabalhou com artistas como Marylin Manson, Nine Inch Nails e Slayer. A tecnologia aqui também foi usada para explorar novas possibilidades, mas para criar uma paisagem sonora que remete aos pesadelos pós-apocalípticos de Matrix ou Os 12 Macacos.
Duas vertentes totalmente diferentes, nascidas do mesmo estilo. A tecnologia é a mesma - seja para criar uma big band robótica a serviço do artista ou para manter viva a ousadia e experimentação, sob uma ótica sombria. Seja qual for a visão musical que mais lhe agrade, o que importa é que o Jazz do futuro já está sendo feito nos dias de hoje. Que assim continue a ser.

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