terça-feira, 21 de junho de 2011

A memória fotográfica

 

Em tempos, a fotografia era um processo mecânico, físico e químico. Implicava palavras elas próprias carregadas de múltiplos significados: impressão, revelação, ampliação, cópia. A luz, na fotografia, tornava-se matéria, primeiro em filme, depois em papel. (Em alguns casos, directamente em papel). Hoje a fotografia é outra coisa.

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Não sei qual é o papel público ou social da fotografia hoje em dia. Nem sei mesmo se ainda pode ter um papel moral ou político. O lado artístico gera-me menos dúvidas, mas mesmo assim…

Num mundo digital, a fotografia transforma a luz em mais luz. Não há alquimia, não há revelação, não há custo. Cada fotografia pode ser o resultado de dezenas ou centenas de experiências desinteressantes, sem que o disparar do obturador represente um comprometimento valorizável com a realidade. Em alguns casos até, mesmo para capas de revistas, fotógrafos já se limitaram a escolher a melhor frame de um vídeo digital, chamando-lhe fotografia.

Não há, neste meu discurso, nostalgia, só interrogação. O Facebook tem 60 mil milhões de fotografias. Só eu, por exemplo, tenho três máquinas fotográficas (duas delas digitais) e um telemóvel que também tira fotografias. Qualquer destes dispositivos digitais faz também vídeo. E mais, visto que estamos no país das maravilhas do digital, posso manipular cada imagem para parecer que foi feita com uma máquina que existiu historicamente, em condições específicas, impressionando um rolo determinado.

A minha dúvida tem a ver com a memória. Porque é a memória, a documentação, em que a fotografia pode ter um papel moral ou político. Não somos todos hoje foto-repórteres? Mas se todos fotografamos tudo em grandes quantidades, que lugar fica para a intenção de um olhar? Não se tornou o processo estritamente pessoal e difícil de partilhar de modo significativo? Isto é, as nossas fotografias estão em todo o lado, mas só têm significado para os nós (e para os que nos estão próximos, vá).

E aqui entram os artistas, questionando este momento na história da fotografia.
Tudo isto para apresentar quatro exemplos.

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As fotografias de Irina Werning no projecto “Back To The Future” convidam-nos a rever gente anónima fotografada há anos, na mesma pose, com a mesma roupa, com o mesmo fundo. É um exercício obsessivo de recriação e o resultado varia entre o caricato e o perturbante.

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“In The Meantime” de Meike Nixdorf cria, através de fotografias, uma ficção autobiográfica baseada em memórias, momentos relembrados de Nova Iorque, onde viveu. O projecto inclui também alguns vídeos, mas acho-os menos interessantes.

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Haifa, em 1949 e em 2010.

Amit Sha'al, israelita, premiado no World Press Photo, sobrepõe fotografias históricas ao mesmo local na actualidade, evocando reconhecimento e memória nas suas composições.

Por fim, “Welcome to Pine Point” é um projecto mais ambicioso, de filme interactivo, financiado pelo National Film Board do Canadá, da autoria de Paul Shoebridge e Michael Simons. É brilhante, na sua abordagem de documentário a uma cidade mineira do norte do Canadá, que desapareceu, depois de se acabar o minério no solo que lhe dava a sua função. O ponto de partida é um blog (Pine Point Revisited) e, nesse blog, a fotografia como documento de um lugar que já só existe na memória.

Nos três casos, a fotografia é apresentada como peça do puzzle da memória, mas não me esclarece as dúvidas; antes, levanta novas perguntas.

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